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30/01/2009
Telefonei para M. que vive em Londres á 5 anos. M. é de Africa do Sul e trabalhou vários anos em cruzeiros para reunir dinheiro para a mudança.
Contei-lhe que afinal já não tinha casa definida e que por isso ia ficar num B&B em Notting Hill. Depois de saber isto ela insistiu para eu ficar na casa dela por uns dias até arranjar casa. E eu, claro, aceitei.
Tornei a colocar toda a minha tralha dentro da mala, que para ser verdadeiro, nunca chegou a sair e parti para Carlshalton (que fica a sul zona 6). Objectivo: chegar a Waterloo onde me encontraria com M..
A viagem de Bus até Angel foi pacífica. O desafio viria a seguir.
Tento entrar no metro atolado de gente. Impossível. Ainda mais com duas mochilas, uma mala e 2 sacos de apêndice. Espero uns minutos e tento entrar no segundo. Novamente sem sucesso. Começo a suar. Nunca mais vou conseguir apanhar isto. Cada vez que as portas se abrem ninguém sai e nada consegue caber naqueles minusculos espaços. Muito menos as minhas malas. Nunca em Lisboa vi o metro tão atolado de gente. Hora de ponta em Londres mete respeito. E provoca nervos. Ao terceiro forço a minha entrada e consigo. Nem tenho onde me apoiar. Todos estamos tão enlatados que nem ha espaço para cair.
O problema surge quando chegamos á paragem seguinte. E eu so quero sair na outra, em Euston. Tenho as malas no caminho para não falar na mochila nas costas e á frente que me torna numa pessoa larga. As pessoas não conseguem sair mas forçam. Faço força para não ser levado pela corrente. Agoento-me até a próxima estação onde saio e suspiro. O pior já passou... pensei eu.
Vou em direcção para a saída para encontrar o caminho para os outros destinos da Northern Line.
Dou de caras com um lance de escadas. Como é que vou conseguir subir isto?! Pensei que Londres fosse diferente de Lisboa. Que tivesse acessos. Como é que alguém de cadeira de rodas sobe isto? Ainda é pior que Lisboa, ao menos lá temos elevadores!
Uma rapariga bastante jovem lê o meu desespero e pergunta se quero ajuda. Demoro tempo a responder, mas que posso fazer? Aceito. Ela carrega-me os sacos até ao topo das escadas e eu a mala de 20Kgm. Chego ao topo e aproveito para perguntar como vou para Waterloo. As placas em volta só dão indicações para a Northern line sentido norte. Mas eu preciso de ir para o sul!
Ela diz-me que só pode ser pelo caminho por onde vim. Novamente a minha cara de desespero. Tornar a descer as escadas. Ela disponibiliza-se a levar-me os sacos novamente escadas abaixo. Pelo caminho pergunta-me de onde venho. "Oh Lisboa!" - exclama ela. Nunca esteve lá. "You must!" - respondo eu.
Chegamos novamente ao fim da escadaria e desfaço-me em agradecimentos e preparo-me para segurar os sacos de novo. Ela diz que me vai indicar o caminho para a linha correcta e insiste que não tem problemas em levar os sacos até lá. Fico boquiaberto com tanta sorte.
Percorro a linha de onde tinha regressado no sentido contrario e pouco depois vejo as placas para o sentido que procuro. Chegamos a um lance de escadas rolantes e ela devolve-me os sacos. Agradeço-lhe e vejo-a seguir no sentido contrário. Nem sequer era o caminho que procurava! Não conseguia acreditar em tamanha simpatia.
Ainda a recuperar da minha sorte tento ajeitar os sacos em cima da mala. Vejo que um dele está com uma pega destruída e que com ela forma-se um enorme rasgão. Este era o saco com o aspecto mais sólido que tinha. Como é que vou carregar com isto tudo agora sem pega!?
Depois de subir as escadas rolantes tenho de descer... uma escandaria interminável.
Coloco o saco com apenas uma pega em cima da mala e tento descer degrau a degrau. Não tinha passado meia dúzia quando a pega rasga-se e o saco cai escadas abaixo...
Pronunciei palavras muito Portuguesas como F##%SE e CAR#$@O!
E ali estava eu no lance de escadas do lado direito do corrimão. A única alma daquele lado das escadas. Enquanto uma manada de formigas passava ao meu lado (ordenadinhos e compactados no lado esquerdo do corrimão) ignorando o meu Português. E é aí que aparece uma senhora nos seus 40s, nitidamente de origem Indiana, dizendo "do you need help?!" A minha cara dizia tudo. Pergunto-lhe se ela tem algum saco. Compactamos o sobretudo para um saco minúsculo. Ajuda-me a apanhar os outros artigos do chão e coloca-os todos no saco que estava bom, apesar de já apresentar um rasgo de lado. Agradeço-lhe e preparo-me para carregar o saco novamente. Ela diz que é melhor ajudar-me até ao final da escadaria para aquele saco não ficar ainda mais danificado. Sorrio e continuo escadas abaixo. O braço cada vêz mais durido e inchado.
Chegamos ao fundo e pergunto-lhe para onde fica Waterloo. Curiosamente é nesse sentido que a senhora tem de ir. Por isso insiste em levar-me o saco ate ao metro. Durante a viagem pergunta-me de onde venho. "Ah! Martim Moniz". Fiz um esforço para não me sair uma gargalhada. Claro, qualquer Indiano que conheça Lisboa, conhece o Mortim Moniz.
Conto-lhe um pouco da minha história. Que apostei alto para seguir este sonho. Que não desisti dos planos de um ano apenas por causa da crise. Digo-lhe também que não é assim tao descabido. Que sou de IT e que esse sector não foi muito afectado. Ela pergunta-me: "what language?". Fiquei surpreendido com a pergunta. Não é qualquer pessoa na rua que faz essa pergunta. E ainda menos a que compreende a resposta. Fico a perceber tudo minutos depois. Ela é professora Universitária de IT. "Se calhar é por isso que te ajudei, sem o saber." - comenta ela. Na estação seguinte ela sai desejando-me sorte na minha vida em Londres, não dando tempo para eu pedir o contacto. Seria bom demais conseguir uma cunha com uma coincidência destas.
Chego ao local combinado em Waterloo 30m atrasado. Cumprimento M. Peço desculpa pelo atraso e começo por dizer: "Nem sabes pelo que passei para chegar até aqui..."
Depois de um jantar de amigos em casa de M. regado por vinho Sul Africano descanso no meu novo sofá com o braço durido. Dá início á segunda parte do meu couch surfing.
(Aproveito para comentar que o vinho não tinha rolha de cortiça. Algo que nunca tinha visto antes e que faz com que isto faça todo o sentido. Save Miguel!