[ouvir como banda sonora do post.]
O final do terceiro previa o pior. Os 93 anos de relativa boa saúde pesaram demais para a multiplicidade de vírus e bactérias que levam o quotidiano em lares e hospitais. O coração, que fora sempre grande demais em todas estas décadas, fez jus à sua historia e dilatou. Dilatou tanto que depois de ter dado tanto a outros encontrava-se agora, ironicamente, insuficiente para bombear vida. Mesmo assim encontrou (de forma altruísta) forças para dizer "sempre foste um bom rapaz" antes de de se esgotar de vez. O ano começava, assim, mal. Mas o pior é que eu sabia que era apenas o começo.
Depois de 2 anos de luta contra um adenocarcinoma de não pequenas células (curiosamente aquele mais comum entre os não fumadores....repito, entre os não fumadores). De vários internamentos em hospitais. De um quotidiano que exigia o esforço de quem faz uma maratona constante...24h por dia. Depois de uma súbita melhora que fez com que alguns cirurgiões o fossem ver, surpreendidos. Depois de resgatar e enterrar a esperança inúmeras vezes. O tumor tornou-se demasiado grande. O ar demasiado pesado. E depois de um carrossel, de uma montanha russa, de emoções. O Pai da minha mais-que-tudo morreu.
A semana, a que os brits chamam de verão, deixava saudade quando o céu já se tornava cinzento dia sim dia sim. Foi assim num passeio por Bath que conheci M. Um trintinho que se cansou da instabilidade, das frustrações e promessas do seu emprego em Portugal e decidiu carimbar-lhe um Ex. Não esperou ver o fundo do buraco e arriscou sem nada na manga. Deixou mulher, a filha pequena e outra a caminho. Mesmo assim tinha aquele rasgo de entusiasmo nos olhos. Algo que não vejo no meu espelho há algum tempo.
Estava num emprego temporário. Numa recepção de uma estalagem.
- agora é continuar a enviar cvs.
Meses mais tarde a notícia que tinha conseguido arranjar emprego não muito longe de Londres, em Basingstoke. Num hotel para poucas carteiras. A gerir parte do hotel. A gerir as exigências (extravagancias) de homens de túnicas brancas e canudos de oxford. A receber cumprimentos em forma de nota de 50. Entusiasmado com o futuro. A "viver o sonho". A perder-se em soho à procura de um pub aberto (culpa minha). A sentir saudades das pequenas.
Ninguém sabe bem como começou. Mas depois do despoletar da infecção o vírus infectou o miocárdio da "pequena" de 4 meses de idade. Uma probabilidade de um em um milhão. Um euromilhões ao contrario. Um azar do caralho. Um natal que não se esquece.
Depois de os médicos informarem para se "irem preparando para o pior" as melhoras apareceram. Havia agora lugar para esperança. Uma prenda de natal em atraso. E justamente quando os ventos estão a favor. Os dados do nosso lado. Os planetas alinhados. Subitamente e inexplicavelmente. O seu coração dá de si.
Talvez por tudo isso tivesse sido normal lembrar-me que faziam 4 anos que cheguei a Londres apenas porque o Obama ia fazer, novamente, o seu discurso de tomada de posse. Em 2009 havia muita expectativa. Minha e dele. Tal como Obama disse há quatro anos, enquanto eu estava a 12 mil metros de altitude, "yes we can!".
Sim...mas a que custo?
PS- Escrito parcialmente no café
Vertigo em Lisboa e na Northen Line.