Estive a
ouvir e a
ler uma reportagem de Lucy Ash sobre a nova emigração Portuguesa, para a BBC. Acho que vale muito a pena principalmente quem está à procura de uma motivação extra para sair.
Na reportagem Ângela tem 29 anos (curiosamente a minha idade) terminou o curso à 6 anos mas nunca conseguiu exercer a actividade de professora por mais de 9 meses (contínuos). Apesar de ter concorrido a 362 escolas não conseguiu colocação (se estas a ler isto e tens o teu emprego graças a uma cunha, esta é a altura para te encheres de vergonha).
A certa altura fala em não equacionar ir para um país africano (e acho que também se referia ao Brasil) por não conseguir viver com a pobreza e pedintes lado a lado (espero não ter percebido mal e não estar a cometer uma injustiça).
Quero pegar no caso da Ângela e usa-lo como uma generalização dos "cérebros" que temos em Portugal.
Apesar do grande esforço de candidaturas nunca saiu do conforto dos amigos e família no Porto (teve oportunidades para ir para o Alentejo com um contracto de 1 mês (que reconheço ser ridículo) mas nunca saiu do conforto daquilo que conhecia para arriscar 1 mês que poderia abrir outras oportunidades (o mais certo seria não acontecer)). Em 6 anos nunca pensou que deveria adaptar-se ao mercado (saturado de professores (especialmente de línguas como é o caso)) e usar as suas próprias valências para encontrar um emprego que lhe dessa a estabilidade que precisa (e não estatuto ou dinheiro).
{Vou fazer um parêntesis para escrever sobre a minha experiência na empresa onde estou agora. Só mais de 6 meses depois de ter começado a trabalhar nesta empresa é que me apercebi que alguns Senior Developers com quem trabalhava (com mais ou menos frequência) não tinham qualquer formação em Informática ou Computer Science. Um que está um passo abaixo do Architect (o topo da carreira nesta área) é Licenciado em Física pela Universidade de Oxford. Outro com quem trabalhei mais de perto (e que me apercebi que tinha falhas graves em conceitos básicos) era Engenheiro Mecânico. E o mais curioso de todos estes casos era o que é Licenciado em Zoologia pela Universidade de Cambridge. Aproveitei um dia de copos para perguntar o porquê de ele mudar de área (ainda por cima depois de ter ouvido as histórias do quanto Cambridge é exigente). Ele disse-me que Zoologia era uma área que lhe interessava. Que não se arrepende da formação que teve mas que não se via a vida inteira a fazer aquilo e... os ordenados em Informática eram muito mais atrativos.
Apenas tenho 4 anos de experiência, trabalhei em 5 empresas diferentes e em 7 clientes (assim por alto). E nunca vi um licenciado em línguas, psicologia, sociologia, etc, que trabalhasse nesta área (mas conheci uma Arqueóloga Tester). Raramente conheci alguém que, estando formado, equacione ir para uma área diferente. E esta mania de chamar "cérebros" a quem apenas tem um curso (que nunca será um atestado de inteligência) aflige-me. Cérebros são quem procura a partícula de Higgs Boson ou descobre um vírus que ataca células cancerígenas. Não um tipo que passou 3,4,5 anos a ir para um campus.
Nos últimos 3 meses tive o caso mais impressionante. O meu novo colega de equipa passou por várias dificuldades na vida e isso fez com que tivesse de começar por baixo. Trabalhar no tesco (um supermercado) a carregar e encher prateleiras, depois como caixa. Até chegar a esta empresa como alguém que desenhava emails (com html e css) e destacou-se por começar a programar nas horas livres para construir ferramentas que o ajudasse no trabalho. Concorreu a um emprego como web developer internamente e agora tem o emprego que desejava há anos.
Quantos "cérebros" Portugueses estariam dispostos a trabalhar como caixas para ter a estabilidade (de pagar a sua própria renda) e usarem as suas horas livres para se valorizarem numa área que tivesse empregabilidade? Não estou a falar em caça cursos, apenas para carimbar no CV. Mas em pegar nos livros e queimar a pestana por si mesmos.
Este novo developer sabe bastante mais do que eu e até arrisco mesmo dizer que há mesmo muito pouco que lhe possa ensinar. Mas é alguém que na hora de almoço esta a construir um jogo em
XNA apenas por curiosidade (e com isso
paga também uma licença de 99$ assim só por desporto).}
Fecha parêntesis. Se depois de 6 anos de uma carreira fracassada não agarramos um contracto de um mês num sítio diferente como é que vamos arriscar num país estrangeiro sem proposta alguma (e com concorrência de todo o mundo)?
Se somos um país de "cérebros" porque é que encontramos tanta dificuldade em ter ideias próprias?